Pesquisar no blog:

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Bernardo Cabral - Conselheiro da ANI

 Núcleo de conteúdo Memória Nacional
cidadeverde.com
CABRAL, Bernardo
*dep. fed. AM 1967-1969; const. 1987-1988; dep. fed. AM 1987-1991; Min. Justiça 1990; sen. AM 1995-2003.

José Bernardo Cabral nasceu em Manaus no dia 27 de março de 1932, filho de Antônio Bernardo Andorinha e de Cecília Cabral Bernardo.

Entre 1943 e 1949 estudou no Colégio Estadual do Amazonas, em sua cidade natal. No ano seguinte ingressou na Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas, concretizando assim a decisão de se tornar advogado, tomada na ocasião em que seu irmão de 17 anos foi assassinado por um policial. Ainda em 1950 começou a trabalhar na imprensa amazonense como revisor e depois redator do jornal A Crítica e se formou em ciências contábeis. Bacharelando-se em 1954, iniciou em seguida sua carreira profissional como solicitador no Tribunal do Júri de Manaus para acusar o assassino de seu irmão.

De setembro de 1955 a março de 1956 foi promotor substituto na comarca de Itacoatiara (AM) e, embora tenha obtido nesse último ano aprovação no concurso para promotor de Justiça, não quis exercer a função e retornou à advocacia. Em 1957 foi chefe de polícia do Amazonas e, no ano seguinte, secretário do Interior e Justiça no governo de Plínio Coelho (1955-1959). Ainda em 1958 deixou o cargo de editor no jornal A Crítica e formou-se em psicologia e serviço social. Entre 1959 e 1960 foi chefe do Gabinete Civil do governo de Gilberto Mestrinho (1959-1963), e em 1961 exerceu as funções de procurador jurídico e fazendário.

Iniciou sua carreira política em outubro de 1962, quando foi eleito deputado estadual, o mais votado no estado, na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Assumindo o mandato em fevereiro do ano seguinte, tornou-se líder de seu partido na Assembleia Legislativa e presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Entre 1964 e 1965 foi também conselheiro da seção de seu estado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Após o movimento político-militar de 31 de março de 1964, que depôs o presidente João Goulart (1961-1964), com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar.

Cassação e OAB

No pleito de novembro de 1966 foi eleito deputado federal pelo Amazonas na legenda do MDB. Assumindo sua cadeira na Câmara dos Deputados em fevereiro de 1967, após concluir seu mandato na Assembleia, tornou-se vice-líder da bancada de seu partido a partir de março e foi escolhido pelo Comitê de Imprensa da Câmara como um dos dez melhores deputados do ano. Professor da Faculdade de Direito de Brasília, durante legislatura integrou várias comissões técnicas e apresentou diversos projetos de lei.

Em fevereiro de 1969 teve seu mandato cassado e seus direitos políticos suspensos por dez anos com base no Ato Institucional n° 5, editado em dezembro do ano anterior. No mesmo mês deixou a Faculdade de Direito, transferindo-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde exerceu a advocacia e atuou como conselheiro seccional da OAB.

Membro do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) a partir de 1972, em 1974 tornou-se conselheiro federal da OAB, tendo presidido as comissões de julgamento de teses das VI e VII conferências nacionais desse órgão, realizadas respectivamente em 1976 e 1978. Em abril de 1977 foi eleito secretário-geral da OAB, ao mesmo tempo em que Eduardo Seabra Fagundes ascendia à presidência da entidade. Em julho de 1979 manifestou-se a favor da anistia, embora criticasse o projeto do governo, afirmando que “o anunciado exuberante decote da anistia deixou entrever muito pouco o seio do esquecimento”. Ainda em 1979 tomou-se diretor cultural do Clube dos Advogados.

Candidato à presidência do conselho federal da OAB na eleição de 1° de abril de 1981, derrotou José Paulo Sepúlveda Pertence, assumindo o cargo no mesmo dia. Em agosto licenciou-se da diretoria do Clube dos Advogados e participou do X Congresso Mundial de Direito, realizado em São Paulo. Ainda em 1981 participou do Congresso Pontes de Miranda, em Porto Alegre, e do XXIX Encontro dos Presidentes Secionais, em Fortaleza.

Enquanto esteve à frente da OAB defendeu sobretudo o aprimoramento do ensino jurídico e a convocação de uma assembleia nacional constituinte, mostrando-se contrário ao projeto de reforma eleitoral proposto pelo governo e à Lei Orgânica da Magistratura. Foi em sua gestão que o Conselho Pleno da OAB decidiu, por unanimidade, lutar pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN), que, segundo declarou, fora responsável pela perseguição de jornalistas, parlamentares, trabalhadores e estudantes, e, portanto, deveria ser revogada. Em abril de 1982 reuniu-se com o presidente João Figueiredo para convidá-lo a participar da IX Conferência Nacional dos Advogados, que seria realizada no mês seguinte em Florianópolis. Nesse encontro falou sobre a justiça social e a Constituinte.

Após deixar a presidência da OAB em abril de 1983, emprestou o seu nome a uma agência de viagens que promovia cursos no exterior. Nesse mesmo ano, retornou à cena política como assessor especial do governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho, função que exerceria até 1986. No início de 1985 seu nome foi cogitado para a pasta de Assuntos Fundiários no ministério de Tancredo Neves, eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral em janeiro daquele ano. Embora contasse com o apoio da Igreja e de parte da comunidade jurídica do país, foi preterido por pressão dos grupos paulistas do setor de informática, que nele viam a consolidação do polo de informática de Manaus, em detrimento dos interesses paulistas.

No período subsequente, o país acompanhou a doença de Tancredo Neves, que o impediu de tomar posse na presidência e o levou à morte em 21 de abril. Foi então efetivado na presidência da República o vice-presidente José Sarney.

Na Constituinte

Filiando-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), no pleito de novembro de 1986 Bernardo Cabral foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte (ANC) pelo Amazonas com 41 mil votos, a maior votação do estado. Seu sucesso eleitoral foi creditado ao empenho do governador Gilberto Mestrinho, que lhe deu todo o apoio. Durante sua campanha, Cabral manteve um gabinete no palácio do governo, onde seu filho atendia aos eleitores.

Assumindo o mandato em 1° de fevereiro de 1987, dia em que foi instalada a ANC, Cabral cogitou lançar sua candidatura à presidência da Constituinte em função da expressiva votação que recebera em seu estado. Contudo, "em nome do Amazonas", abriu mão do projeto em favor da do deputado paulista Ulysses Guimarães, presidente nacional do PMDB, que acabaria por ser eleito presidente da ANC. Em seguida, aderiu à candidatura do também deputado paulista Mário Covas à liderança do PMDB na Constituinte. Aproveitando as divisões internas do partido e contando com o apoio do líder Mário Covas e do senador José Richa (PMDB-PR), foi indicado pela bancada do partido para a relatoria da Comissão de Sistematização, derrotando outros dois nomes de peso: o deputado mineiro Pimenta da Veiga e o senador paulista Fernando Henrique Cardoso. Sua indicação representou uma vitória do líder Mário Covas, que disputava espaço político com o presidente da Constituinte.

Apesar de sua larga experiência em assuntos jurídicos e visão política, considerada de centro pela imprensa, Bernardo Cabral teve uma atuação confusa na Constituinte. Ao ser indicado relator-geral, afirmou que nunca estivera vinculado a qualquer grupo político ou econômico e que, portanto, seu trabalho seria desenvolvido sem influências externas e sem sofrer pressões. Contudo, em pouco tempo passou a ser acusado de ter ligações com o lobby da legalização do jogo e, consequentemente, com o governador Gilberto Mestrinho, que tinha um irmão proprietário de cassino em Manaus. Sua atuação como relator foi marcada por barganhas, o que o levou a tornar-se conhecido, segundo a imprensa, por dizer sim a tudo. Em abril de 1987, era favorável ao mandato de seis anos para o presidente José Sarney, pregava um parlamentarismo em que os militares ficariam a salvo de moções de censura, defendia a reforma agrária de acordo com as regiões econômicas e discordava de novas formas de anistiar os cassados pelo regime militar.

Durante a elaboração do primeiro anteprojeto de Constituição, Cabral reuniu dois grupos de parlamentares para auxiliá-lo no trabalho de compatibilização dos pareceres aprovados nas comissões temáticas. Mas logo os relatores começaram a disputar o direito de elaborar o esboço da nova Constituição. Cabral, então, pôs fim à disputa declarando que era o único responsável pela redação do texto. Seu primeiro anteprojeto de Constituição, apresentado em junho de 1987, foi acusado de contraditório, de ter cedido a interesses corporativos e de constituir, na realidade, uma plataforma eleitoral para o governo do Amazonas. O anteprojeto repetia artigos, como o que tratava da autorização do funcionamento de instituições financeiras, e incluía artigos corporativistas, como o que afirmava que os advogados prestavam serviço de interesse público indispensável à administração da Justiça e que competia a eles a defesa da ordem jurídica e da legalidade da ordem democrática. Em um dos artigos, Cabral mudou o projeto para favorecer sua região, no que ficou conhecido como "a campanha do Cabral", tornando a Zona Franca de Manaus perene.
Seus críticos afirmaram que esse artigo teria sido feito para viabilizar sua campanha ao governo do Amazonas. Além disso, cedeu às pressões da União Democrática Ruralista (UDR) – entidade que representava os interesses dos grandes proprietários rurais –e incluiu um artigo que assegurava o direito de o proprietário rural obter do poder público declaração, renovável periodicamente, de que suas terras cumpriam função social. Esse artigo foi qualificado como "vacina contra a reforma agrária" pelo ex-deputado gaúcho João Gilberto Lucas Coelho, então assessor da Universidade de Brasília (UnB) para acompanhamento da Constituinte.

Cabral também foi criticado por ter estado excessivamente preso ao regimento interno, uma peça classificada como imperfeita e confusa, que teria dificultado os trabalhos da Constituinte. Respondeu a essas críticas afirmando que seu trabalho se restringira à adequação e à compatibilização dos pareceres aprovados pelas comissões temáticas, como estava previsto no regimento interno.

Pressionado pelo deputado Ulysses Guimarães, Cabral apresentou um substitutivo ao primeiro anteprojeto em agosto de 1987. Na ocasião, declarou que várias empresas tinham feito pressão para que o anteprojeto fosse mudado, e que sua redação também teria sido pressionada pelas ameaças de fechamento do Congresso Constituinte durante as negociações sobre o capítulo referente às forças armadas. Um dos temas mais polêmicos da Constituinte, o papel das forças armadas foi objeto, segundo a imprensa, de atrito entre Cabral e setores militares representados pelo ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, que o acusou de ter rompido o acordo na elaboração dos substitutivos acerca das questões relativas à anistia dos militares cassados e ao papel constitucional dessas forças.

O acordo consistia em não incluir a anistia no substitutivo e acatar a emenda do deputado pernambucano Ricardo Fiúza, do Partido da Frente Liberal (PFL), aprovada na comissão temática, que definia as atribuições das forças armadas. Desmentindo ter sido pressionado pelos militares, Cabral declarou à imprensa que estaria disposto a alterar o artigo que garantia a anistia ampla, geral e irrestrita aos militares cassados pelo regime militar. Segundo ele, esse artigo era na prática inviável, uma vez que faltavam recursos para que todos os cassados fossem reintegrados com os direitos da ativa.

No entanto, mudou de opinião várias vezes em relação a esse tema. Refutando as críticas de que teria cedido às facções políticas na redação de seu substitutivo e de que teria traído o acordo feito com os militares, afirmou que o governo estaria procurando usá-lo como "bode expiatório" do agravamento da crise e do fracasso das medidas oficiais para reduzir o déficit público. Haveria, segundo ele, uma "trama" para desmoralizar seu trabalho, com o objetivo de desviar a atenção da opinião pública do grave quadro nacional. Tanto no Senado como na Câmara recebeu apoio dos parlamentares em relação ao episódio. Ainda na primeira fase da Constituinte, chamou de fantasioso a artigo que incluía entre os direitos sociais a jornada de trabalho de 40 horas semanais e a estabilidade no emprego, que, em sua opinião, não deveriam constar do texto constitucional.

Em julho de 1988, entregou o texto para o segundo turno das votações na ANC, sendo novamente acusado de alterar seu conteúdo. Nessa segunda fase, porém, deu parecer contrário às emendas supressivas aos direitos individuais e sociais aprovados anteriormente. Seus pareceres nessa fase serviram como um indicativo dos acordos firmados no primeiro turno de votação e das posições de Ulysses Guimarães, que foi o supervisor de seus pareceres.

Apesar de suas idas e vindas, Cabral acabou se posicionando favoravelmente a algumas propostas de caráter progressista. Nas principais votações da ANC, foi a favor do mandado de segurança coletivo, da proteção ao emprego contra a despedida sem justa causa, do turno ininterrupto de seis horas, da unicidade sindical, da soberania popular, do voto aos 16 anos, da nacionalização do subsolo, da proibição do comércio de sangue, da anistia aos micro e pequenos empresários, do aborto e da desapropriação da propriedade produtiva. Foi contra o rompimento de relações diplomáticas com países com política de discriminação racial, a pena de morte, a limitação do direito de propriedade privada, a jornada semanal de 40 horas, a estatização do sistema financeiro, a limitação dos encargos da dívida externa, a legalização do jogo do bicho e a criação de um fundo de apoio à reforma agrária.

Ainda durante os trabalhos da Constituinte, Cabral iniciou sua campanha para a presidência da Câmara dos Deputados, cargo cuja importância na época era ainda maior pelo fato de estar vago o de vice-presidente da República. Ulysses Guimarães desistira da reeleição, pois para isso seria necessário aprovar no segundo turno uma emenda supressiva do dispositivo que proibia a reeleição dos integrantes da mesa do Congresso. Tal iniciativa provocaria um desgaste em sua imagem e prejudicaria sua candidatura à presidência da República.

Com a promulgação da nova Constituição em 5 de outubro de 1988, Cabral encerrou suas funções como relator do Congresso constituinte. No mês seguinte, diante da publicação do livro Constituinte: o que pode e o que não pode, do consultor-geral da República Saulo Ramos, que defendia a tese de que a Constituinte era derivada e seus poderes secundários, elaborou um parecer em resposta sustentando a legitimidade e a soberania da ANC. Na ocasião, declarou que o atraso nos trabalhos da Constituinte se devera ao fato de o governo e os empresários estarem interessados em retardar sua aprovação. Para Cabral, o governo, que arregimentara forças para a votação do mandato presidencial e do sistema de governo, ficara inconformado com a reforma tributária. Já os empresários haviam tentado esvaziar as sessões plenárias para que fossem retirados do texto itens que não os favoreciam.

Ainda em 1988, Cabral tornou-se observador parlamentar, representando a Câmara dos Deputados junto à Organização das Nações Unidas (ONU), e publicou o livro intitulado O Poder Constituinte, fonte legítima, soberania, liberdade.

Em fevereiro de 1989, Cabral sofreu sua maior derrota, quando perdeu a presidência da Câmara para o deputado Pais de Andrade (PMDB-CE), que acabou vencendo a disputa interna na bancada peemedebista. Em outubro do mesmo ano, foi convidado a fazer uma conferência na Association Française des Constitutionnalistes, na França.

Logo no início da campanha para a sucessão do presidente José Sarney, que também seria decidida em 1989, Cabral afirmou simpatizar com a candidatura do então governador de Alagoas, Fernando Collor de Melo, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Contudo, por pertencer ao PMDB, no primeiro turno declarou apoio formal à candidatura de Ulysses Guimarães. Com a derrota de Ulysses, desligou-se do partido e aderiu formalmente à candidatura de Collor, que declarara publicamente que daria ao deputado o cargo que ele pedisse.

No Ministério da Justiça

Com a vitória de Fernando Collor no segundo turno das eleições, realizado em dezembro de 1989, Cabral foi indicado para a pasta da Justiça em janeiro de 1990.

Licenciando-se de seu mandato na Câmara dos Deputados, na qual foi substituído pelo suplente Antar Fontoura de Albuquerque,  foi empossado no ministério em 15 de março, mesmo dia da posse do próprio Collor e dos demais ministros. Sua indicação foi uma forma de prestigiar o Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, de estreitar os laços do novo presidente com o Poder Judiciário. Collor pretendia também que Cabral funcionasse como articulador político e negociasse com o Congresso a modificação de um conjunto de dispositivos da Constituição que dificultavam as reformas econômicas pretendidas por seu governo. Assim, antes mesmo de empossado, Cabral iniciou a coordenação de todas as atividades políticas do novo governo. Chegou inclusive a procurar as lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT) para um possível acordo, sem sucesso.

Quando, em 16 de março de 1990, o presidente Collor anunciou o conjunto de medidas econômicas que ficou conhecido como Plano Collor, Cabral foi o responsável pela articulação com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (ST J) para que esses órgãos não tomassem nenhuma atitude contra a Medida Provisória (MP) nº 173, que proibia a concessão de liminares contra o plano econômico. Entre 30 de março e 3 de abril, acumulou a pasta da Justiça com a da Agricultura, no lugar de Joaquim Roriz, que deixou o cargo para se candidatar ao governo do Distrito Federal. Em seguida, o presidente Collor nomeou Antônio Cabrera para o Ministério da Agricultura.

Nos três primeiros meses do novo governo, o descompasso na coordenação política foi o maior problema nas relações entre o Executivo e o Congresso. A edição do Plano Collor, que incluía duas medidas provisórias consideradas inconstitucionais, afetaram o prestigio de Cabral. Na verdade, uma semana após sua posse, ele perdeu espaço para o líder do governo na Câmara, o deputado Renan Calheiros (PRN-AL), que assumiu as funções que deveriam lhe caber. Durante as votações do plano econômico, o presidente Collor negociou pessoalmente com os líderes dos partidos no Congresso. Votado o plano, e na ausência de uma figura permanente para negociar pelo governo, os parlamentares que apoiaram Collor fizeram pressão visando cargos na administração federal. O presidente viu-se então obrigado a fortalecer a posição de Cabral, de modo a evitar uma crise que comprometesse a base de sustentação do governo. Assim, em maio de 1990, todas as nomeações para cargos de confiança passaram a ficar sob a supervisão direta de Cabral, que também se tornou o único responsável pelo texto final de todos os atos jurídicos do governo. Sua atuação levou-o a ser acusado por Ulysses Guimarães de estar desrespeitando o texto constitucional que ele mesmo havia ajudado a aprovar.

O prestígio do ministro caiu ainda mais quando o STF declarou inconstitucional a MP nº 190, de sua autoria, que era uma reedição da MP n° 185, retirada do Plano Collor exatamente por esse motivo. A instabilidade constante nas decisões do governo atingiu o auge em junho de 1990, quando o ministro da Justiça não assinou a MP nº 193 da equipe econômica do governo que proibia acordos que concedessem reposição salarial acima do índice determinado pela lei, por considerá-la inconstitucional. Pouco tempo depois, Cabral sofreu mais uma derrota, quando a Câmara deixou de votar o projeto de lei anti sequestro proposto por ele. No Senado, o projeto foi aprovado, mas sem incluir o confisco dos bens dos sequestradores e a indisponibilidade dos bens dos sequestrados.

Em julho de 1990, Cabral declarou seu apoio ao senador Maurício Correia, candidato do PDT ao governo do Distrito Federal, opondo-se assim ao presidente Collor, que endossara a candidatura de Joaquim Roriz, do Partido Trabalhista Renovador (PTR). A partir desse episódio, a substituição de Cabral começou a ser cogitada pelo Palácio do Planalto. Seu desgaste não se devia apenas a problemas de natureza política, mas também à divulgação, pela imprensa, de seu suposto romance com a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo.

Em outubro de 1990, pouco depois das eleições, Cabral acabou por deixar o governo Collor, sendo substituído na pasta da Justiça por Jarbas Passarinho. No mês seguinte reassumiu sua cadeira na Câmara dos Deputados e exerceu o mandato até o fim de janeiro de 1991, quando se encerrou a legislatura. Em seguida, montou um escritório de advocacia em Brasília, no qual contribuía para a liberação de verbas federais para o Amazonas, e passou também a advogar no Rio de Janeiro, onde já mantinha escritório. Em fevereiro de 1991, o ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, a pedido do presidente Collor, convidou-o para assumir a chefia da embaixada brasileira na Iugoslávia, mas o convite não foi aceito. Citado no livro Zélia, uma paixão, depoimento de Zélia Cardoso de Melo lançado em outubro de 1991, em dezembro seguinte confirmou seu envolvimento com a então ministra.

Em 1992, durante os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito (CPI) criada pelo Congresso para apurar denúncias de corrupção no governo Collor feitas à revista Veja pelo próprio irmão do presidente, Pedro Collor, Cabral foi intimado a prestar depoimento à Polícia Federal. Confirmou então que o presidente sabia das atividades ilícitas do empresário Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro da campanha presidencial. No dia 29 de setembro acabou sendo aprovada na Câmara dos Deputados a admissibilidade de abertura do processo de impeachment do presidente. No inicio do mês seguinte Collor deixou o governo, no qual foi substituído em caráter interino pelo vice Itamar Franco, até que o caso fosse julgado pelo Senado. No dia 29 de dezembro, pouco antes da votação, apresentou sua renúncia, que não foi aceita. Pouco depois seu afastamento definitivo foi aprovado pelo plenário do Senado e, em consequência, teve os seus direitos políticos suspensos por oito anos. Com esse resultado, Itamar foi efetivado na chefia do Executivo brasileiro.

No Senado

Em abril de 1994, Cabral selou acordo com uma ampla coligação de partidos, composta pelo PT, Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Verde (PV), Partido dos Trabalhadores do Brasil (PTdoB), Partido da Mobilização Nacional (PMN) e Partido de Reedificação da Ordem Nacional (Prona), em torno de sua candidatura ao Senado pelo Amazonas na legenda do Partido Progressista (PP). Firmado o acordo, Cabral afastava-se de suas tradicionais alianças políticas com os ex-governadores Gilberto Mestrinho e Amazonino Mendes, que, acusados de irregularidades em suas administrações, poderiam comprometer a imagem de honestidade que procurava veicular.

No pleito de outubro de 1994, Cabral foi eleito com 275.652 votos, tendo sido o senador mais votado do Amazonas. Assumindo o mandato em fevereiro do ano seguinte, tornou-se líder de seu partido na Casa e passou a integrar, como membro titular, a Comissão de Relações Exteriores, da qual foi vice-presidente, e a Comissão de Constituição e Justiça. Com a fusão do PP com o Partido Progressista Reformador (PPR) em agosto de 1995, dando origem ao Partido Progressista Brasileiro (PPB), não se filiou a essa nova agremiação e permaneceu alguns meses sem partido, mas em março de 1996 já estaria filiado ao PFL do Amazonas.

Durante a votação das emendas constitucionais enviadas ao Congresso Nacional pelo Executivo em 1995 – já no governo Fernando Henrique Cardoso – , no primeiro turno, posicionou-se favoravelmente à abolição do monopólio estatal nas telecomunicações, da Petrobras na exploração do petróleo e dos governos estaduais na distribuição do gás canalizado. Também foi favorável à abertura da navegação de cabotagem às embarcações estrangeiras, pondo fim à reserva de mercado para as nacionais, e ao novo conceito de empresa nacional, acabando com todas as diferenças legais entre as empresas de capital nacional e aquelas de outros países. No segundo turno votou contra a quebra do monopólio estatal na exploração do petróleo.

Como vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores, Cabral convocou ao Senado o ministro da Aeronáutica, Mauro Gandra, e o secretário de Assuntos Estratégicos, o diplomata Ronaldo Sardenberg, para prestarem informações sobre o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). Foi por sua iniciativa que o Senado abriu investigações para apurar as denúncias de irregularidades durante a licitação do projeto. Na Comissão de Constituição e Justiça, foi o relator da proposta do senador Antônio Carlos Valadares (PP-SE), que criava a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A versão de Cabral sobre a CPMF, ­uma taxa provisória com duração de dois anos e com seus fundos destinados ao Fundo Nacional de Saúde, contrariou a posição da equipe econômica do governo Fernando Henrique. Pressionado, Cabral apenas incluiu a emenda no Ato das Disposições Transitórias, em vez de deixá-la na parte permanente da Constituição. Ainda como membro da Comissão de Constituição e Justiça, discordou da tentativa do governo de alterar as aposentadorias especiais e os direitos adquiridos.

Em abril de 1998, Bernardo Cabral foi eleito presidente da Word Jurist Association, com sede em Washington. Esse fato revestiu-se de significativa importância, visto que pela primeira vez o Brasil participava do board dessa associação.

Em janeiro de 2001, os senadores da Comissão de Constituição e Justiça aprovaram um substitutivo de Cabral, que propunha alterar o Código Penal a respeito dos crimes contra a administração pública. O projeto original, de iniciativa do Executivo, previa a elevação das penas para os servidores que cometessem crimes como o uso de informações privilegiadas e improbidade administrativa.

Em março ainda de 2001, Bernardo Cabral foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tendo como vice o senador Osmar Dias, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Durante a sua gestão, tratou das investigações contra o presidente da Casa, Jáder Barbalho, do PMDB, acusado de desvios de recursos do Banco do Estado do Pará (Banpará) enquanto era governador (1982-1986), por fraudes na extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e por venda irregular de Títulos da Dívida Agrária (TDAs). Em outubro de 2001, Barbalho resolveu renunciar a seu mandato para evitar o processo de cassação por quebra de decoro parlamentar aprovado pelo Senado.

Em 2002, Cabral foi o relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que previa o fim da verticalização, dando aos partidos autonomia para a realizar as coligações consideradas apropriadas. A PEC foi aprovada em primeiro turno no mês de maio, com 60 votos a favor contra quatro dos opositores. Posteriormente, passaria por mais uma votação na Casa, para ser finalmente enviada à Câmara dos Deputados, que aprovaria a alteração na Constituição somente em janeiro de 2006, o que levou a Justiça a não autorizar sua aplicação ainda nas eleições gerais daquele ano, mas somente nas posteriores. 

Cabral também foi relator no Senado do projeto que prorrogou a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) até 31 de dezembro de 2004. A prorrogação foi aprovada no final do segundo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso sem que fosse necessário o cumprimento de uma exigência constitucional que estabelecia que cada contribuição social deveria esperar 90 dias para entrar em vigor. 

Nas eleições de outubro de 2002 Bernardo Cabral tentou se reeleger senador, mas não teve sucesso. Em sua atuação no Senado foi ainda membro titular da CPI das ONGs e do Futebol, assim como da Comissão de Desenvolvimento da Amazônia. Deixou a Casa ao final de seu mandato, em janeiro de 2003.

Foi ainda membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, da Academia Internacional de Direito Comparado, fundador do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas e das associações Amazonense e Brasileira de Imprensa, além de professor da Faculdade de Direito do Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB).

Casado com Zuleide da Rocha Bernardo Cabral, teve um filho, Júlio Cabral, que foi deputado federal por Roraima de 1991 a 1995 e presidente da primeira Câmara do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE).

Publicou A palavra em ação (discursos) e diversos pareceres jurídicos em revistas especializadas.

POR: Ednílson Cruz/Alan Carneiro


FONTES: ARQ. DEP. PESQ. JORNAL DO BRASIL; CÂM. DEP. Deputados brasileiros. Repertório (1967-1971); CÂM. DEP. Relação nominal dos senhores; COELHO, J.: OLIVEIRA, A. Nova; Correio Braziliense (online) 17 maio 2002. Disponível em: <http://www2. correioweb.com.br>.  Acesso em: 2 maio 2009;  Estado de S. Paulo (214 e 1/10/81; 3/4, 17/6 e 19/6, 1 e 26/7,29/8 e 1/9/87; 9/8 e 2112188; 24/11/89; 20/3, 18 e 27/5, 7 e 28/6 e 11/7/90; 8/3 e 1/8/95); Folha de S. Paulo (18/8 e 8/12181; 312,18,27 e 28/4/82; 19/1, 10 e 17/4, 27/6,18/7,1218 e 18/10/87; 5 e 14/7/88; 15/2/89; 21/1, 20/3, 29/4, 5 e 14/5 e 14/10/90 e 1/8/95); Folha de S. Paulo (online) 4,31 jan., 8 fev., 21 mar., 24 jul., 6 ago., 21,25,26, 29  nov. 2001; 26 abr., 8,23  maio, 12 jun., 25 out. 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acesso em: 1 maio 2009; Globo (20/3, 214, 30/11, 9 e 16/12181; 22/3/85, 10 e 16/4, 13 e 28/8 e 6/9/87; 1113,8/7,7/8 e 1/9/88; 15, 17 e 30/1,1613,7/5 e 27/6190; 3/10/92; 8/10194; 10/8/95; 28/3 e 7/4196); INF. BIOG.; Jornal do Brasil (214 e 1/7/79; 9 e 22/3,214, 11/8 e 3/12181; 713/85, 10 e 19/4 e 6/9/87; Portal da Amazônia. (18/12/07). Disponível em: <http://portalamazonia.globo.com>. Acesso em: 1 maio 2009; Portal do TSE. Disponível em: <http://www.tse.gov.br>. Acesso em: 1 maio 2009.